domingo, 23 de julho de 2017

Análise: Poema Psicologia de um vencido- Augusto dos Anjos



Análise – Poema Psicologia de um vencido- Augusto dos Anjos

Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Profundíssimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância…
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!

Análise

Augusto dos Anjos, escritor paraibano, é muito conhecido pelo seu pessimismo e suas imagens mórbidas e impactantes. Escreveu apenas um livro, “Eu”, que é composto de 58 poemas que abordam a temática da podridão, do terror, da morte e do sofrimento. Posteriormente o esse livro foi republicado e teve mais textos adicionados, mudando assim seu título para “Eu e outras poesias”. Dentre os 58 poemas contidos no livro, está “Psicologia de um vencido” que retrata o decadência do ser humano.

•1ª estrofe:
"Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco."

O personagem retratado no poema é o próprio eu lírico. No primeiro verso, Augusto dos Anjos faz referência ao carbono e ao amoníaco, sendo os dois compostos da atmosfera primitiva que pode ser representada pelo vulcão, que tem em sua composição CO2, NH3 e H20. O carbono também é abundante no corpo humano, o que demonstra a intenção do autor em dizer que é filho da matéria simples.

O eu lírico se apresenta como filho do carbono e da amônia, ou seja, é apenas uma formação de dois elementos orgânicos químicos presentes em vários seres vivos. O carbono que é aproximadamente 20% do corpo humano e a amônia, que é um gás muito conhecido pelo seu mau cheiro. Além disso, o eu lírico expõe que é um monstro que tem uma dor contínua desde sua hepigênesis (teoria da formação dos seres por geração gradual) até níveis cosmológicos.

No segundo verso o autor utiliza a palavra “monstro” no sentido de depreciação a si mesmo, uma característica comum em seus poemas. No terceiro verso há o sofrimento gradual, e no verso seguinte o seu sofrimento toma proporções universais.

•2ª estrofe:
"Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância ...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco."

Nessa estrofe o autor descreve o ambiente em que ele se encontra, sendo esse um lugar de dor e sofrimento que lhe causa ânsia e repugnância. Mais uma vez é usada a fisiologia, uma das marcas registradas de Augusto dos Anjos.

Na segunda estrofe, é apresentada a insatisfação e repugnância do ambiente que o eu lírico está. Resumindo, ele é um monstro, filho da vida (carbono), que vive em um ambiente de total sofrimento que lhe causa repugnância.

•3ª estrofe:
"Já o verme – esse operário das ruínas –
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,"
O verme pode ser considerado outro “personagem” do poema já que ele representa um certo tipo de inimigo do eu lírico quando ele “declara guerra à vida”, sendo essa sua ação.

A terceira estrofe inicia com a apresentação do verme – “operário das ruínas” – um ser indefeso e insignificante, quando comparado à um homem vivo, que opera com o fim da vida comendo o sangue podre e declarando guerra ao que resta do carbono. O verme é tão traiçoeiro, que espreita os olhos do eu lírico para roê-los e acabar com a percepção de cores e formas do ambiente que o monstro, filho do carbono, tem repugnância. Contudo, o verme deixa os cabelos, pois os vermes não digerem a queratina (principal componente do cabelo).

•4ª estrofe:
"Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra."

O verme espreita os olhos (permite a visão do mundo) do eu lírico e deixa apenas o cabelo que é constituído de queratina, que é resistente ao tempo e que não pode ser decomposta pelos vermes.

No fim, o papel do verme foi de total decadência da vida, pois após a decomposição do eu lírico, não resta nada além da “frialdade inorgânica da terra”, ou seja, o que era orgânico e vivo (carbono), agora é inorgânico e morto (terra).

"A frialdade inorgânica" é o 'fim' do eu lírico que inicialmente era filho do carbono (representação da vida) e que agora está em um ambiente inorgânico (oposto da vida). A parte inorgânica da terra pode ser considerada como um solo firmado por desgaste das rochas e minerais inorgânicos.

(PAS-UnB 3ª etapa 2013) Considerando os aspectos linguísticos e as ideias presentes no poema Psicologia de um vencido, de Augusto dos Anjos, julgue os itens que se seguem.
1- Ao empregar no poema um vocabulário de áreas como a química, o eu lírico busca acentuar a dimensão material do ser humano, o qual não passa de uma combinação química, e mostrar que o ser humano é impotente ante a força da morte, caracterizada metaforicamente na figura do verme que declara guerra à vida.
2- Na caracterização do eu lírico (na primeira estrofe) e na caracterização do verme (na terceira estrofe), o poeta valeu-se de paralelismo sintático.


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