sábado, 29 de julho de 2017

Análise: Poética - Manuel Bandeira



Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
Protocolo e manifestações de apreço ao Sr. Diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas

Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de excepção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário
Do amante exemplar com cem modelos de cartas
E as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare
– Não quero mais saber do lirismo que não é libertação

Análise
De Caráter modernista, utiliza versos livres, de repetição, supressão de regras de pontuação e alguns retratam imagens negativas sobre os valores dos movimentos anteriores, estas formas traduzem a liberdade do movimento modernista. O verso livre não utiliza as regras tradicionais tanto na métrica e na versificação, o qual baseia seu efeito poético principalmente no ritmo. O que caracteriza o versolivrismo aqui é uma mudança de atitude e também de crítica: a sílaba deixa de ser a unidade de medida e a combinação de pausas e entoações passa a ser fator relevante.
Manuel Bandeira emprega várias imagens para iniciar o processo de negação dos valores poéticos do passado e depois de defesa de um lirismo libertador; imagens que são modeladas em linguagem cotidiana e que estão baseadas na associação destas ideias de modo a despertar o interesse por uma atualização da inteligência artística. O poema Poética de Manuel Bandeira é um dos paradigmas da estética modernista e uma das mais conhecidas bandeiras de luta dos modernistas por esta atualização poética. Podemos dividir o poema em duas macro partes: repulsa dos elementos normativos e da ordem que transformam a arte em ato burocrático e pregação de um lirismo espontâneo, sem censuras e repressões.

Na introdução do poema deixa claro o caráter contestatório através do uso de reiterações que marcam um descontentamento com o tipo de lírica utilizada dado pela fastidiosa repetição do “estou farto”.

Estou farto do lirismo comedido ...
Estou farto do lirismo que pára ...
Estou farto do lirismo namorador...


A utilização do pronome “todo” reforça a ideia de negação a tudo que não seja o lirismo que não é libertação. Novamente, o poeta distancia-se dos valores tradicionais e nega por completo as manifestações líricas que limitam a liberdade poética com expressões como “abaixo os puristas”, “de resto não é lirismo”, “não quero mais”.

Para expressar mais ainda sua insatisfação, o poeta incorpora elementos estereotipados das estéticas anteriores para ironiza-las, utilizando expressões científicas e imagens típicas do cotidiano moderno. As referências aos “lirismo comedido e bem comportado”.

Convém salientar que a atitude de Bandeira utilizada em todo o poema para ironizar os valores estéticos, que destroem a originalidade, é recorrer a estereótipos que limitam a criação poética, que se caracterizam por racionais, burocráticos, bajulatórios e formais. “Estou farto (....) do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao sr. Diretor ...”. O poeta utiliza uma personagem tipicamente modernista, protagonista das cidades: a figura do funcionário público que trabalha em um ambiente burocrático e que apresenta em seu cotidiano uma série de formalidades que devem ser cumpridas como livro de ponto, expediente rígido e protocolo. Este tipo de lirismo é cada vez mais parodiado quando Bandeira diz que ainda é um lirismo de “manifestações de apreço ao sr. Diretor”. Esta última expressão carrega uma carga de humor e fornece uma característica bastante comum do desenvolvimento histórico do Brasil clientelista,ccujos cargos públicos são conseguidos e/ou mantidos em troca de favores, votos recebidos e bajulações ao “sr. Diretor”. Este lirismo condenado por Bandeira é justamente aquele cujo indivíduo prefere ter uma posição de subalternidade, de bajulação à ordem vigente e de obediência à máquina burocratizante a ter como centro motivador a si mesmo.

Outra estética que Bandeira ironiza no poema é a romântica: o lirismo namorador, político, raquítico e sifilítico. Ao utilizar as formas adjetivas citadas, o poeta caracteriza os principais aspectos abordados pelos poetas românticos e com a forma verbal reafirma novamente que está farto deste tipo de lirismo também.

- Namorador : amor extremo e idealizado e sentimentalismo. - Político: amor à Pátria e o engajamento político dos poetas - Raquítico e sifilítico: o apego à solidão, ao ambiente noturno, ao “mal do século romântico” que os deixam em um estado doentio, debilitado.

(ENEM) “Poética”, de Manuel Bandeira, é quase um manifesto do movimento modernista brasileiro de 1922. No poema, o autor elabora críticas e propostas que representam o pensamento estético predominante na época.
Com base na leitura do poema, podemos afirmar corretamente que o poeta:
a) Critica o lirismo louco do movimento modernista.
b) Critica todo e qualquer lirismo na literatura.
c) Propõe o retorno ao lirismo do movimento clássico.
d) Propõe o retorno do movimento romântico.
e) Propõe a criação de um novo lirismo.

Um comentário:

  1. Letra ‘e’
    Ao nos atermos aos pressupostos ideológicos que demarcaram a estética modernista, todas as proposições, exceto a letra “E”, consideram-se como incoerentes, uma vez que um dos posicionamentos de Manuel Bandeira era de extrair poesia das coisas mais banais da realidade, renegando assim o sentimentalismo exacerbado dos românticos (por isso, ele não retoma ao movimento), bem como repudiando quaisquer traços formais em termos de estética, razão pela qual se pautava, sobretudo, pelo uso do verso livre (por isso, não retomou ao movimento clássico).
    Dessa forma, o porquê de a letra “E” ser considerada correta deve-se ao fato de que a nova proposta não era a de abominar a poesia, tanto é que, como expresso anteriormente, a temática por ele explorada se originava das coisas corriqueiras da vida.

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